sexta-feira, 23 de março de 2012

'O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razão'


... sentenciou o filósofo e psicanalista Cornelius Castoriadis. Pensador de origem grega, ele subverteu a célebre afirmação de Aristóteles (“o homem é um animal racional”), para compreender a natureza humana sob outro viés – aquele que despontou no século XX e produziu nomes como os de Freud, Jung e Lacan.

Numa época marcada pela massificação e pela compreensão do homem como uma máquina regulável quimicamente, é sintomático que renomados cineastas tenham se preocupado com o “animal louco” que governa bélica e economicamente o mundo. Aliás, é também significativo que um terço dos filmes do Ciclo A Filosofia e o Cinema Psicológico sejam de origem norte-americana e inglesa: eles trazem a vertigem da reflexão de cineastas críticos que, à margem da indústria do entretenimento, estão preocupados com os rumos de seus países.

Além de toda a comunidade, o Ciclo também é dedicado a Theo Angelopoulos, jovem grego que, após abandonar os estudos de Direito, chegou em Paris no início da década de 1960 para estudar Literatura, Filosofia e freqüentar a Escola de Altos Estudos Cinematográficos. Tendo falecido em janeiro de 2012, ele nos legou uma filmografia marcada pela reflexão e pelo humanismo.
[Rubira]

Exibição de hoje: APOCALIPSE NOW



CARTA AOS MÉDICOS-CHEFES DOS MANICÔMIOS

Senhores,

As leis e os costumes concedem-vos o direito de medir o espírito. Essa jurisdição soberana e temível é exercida com vossa razão. Deixai-nos rir. A credulidade dos povos civilizados, dos sábios, dos governos, adorna a psiquiatria de não sei que luzes sobrenaturais. O processo da vossa profissão já recebeu seu veredicto. Não pretendemos discutir aqui o valor da vossa ciência nem a duvidosa existência das doenças mentais. Mas para cada cem supostas patogenias nas quais se desencadeia a confusão da matéria e do espírito, para cada cem classificações das quais as mais vagas ainda são as mais aproveitáveis, quantas são as tentativas nobres de chegar ao mundo cerebral onde vivem tantos dos vossos prisioneiros? Quantos, por exemplo, acham que o sonho do demente precoce, as imagens pelas quais ele é possuído, são algo mais que uma salada de palavras? [...]

Não admitimos que se freie o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico quanto qualquer outra sequência de ideias e atos humanos. A repressão dos atos anti-sociais é tão ilusória quanto inaceitável no seu fundamento. Todos os actos individuais são anti-sociais. Os loucos são as vítimas individuais por excelência da ditadura social; em nome dessa individualidade intrínseca ao homem, exigimos que sejam soltos esses encarcerados da sensibilidade, pois não está ao alcance das leis prender todos os homens que pensam e agem.Sem insistir no carácter perfeitamente genial das manifestações de certos loucos, na medida da nossa capacidade de avaliá-las, afirmamos a legitimidade absoluta da sua concepção de realidade e de todos os actos que dela decorrem.Que tudo isso seja lembrado amanhã pela manhã, na hora da visita, quando tentarem conversar sem diccionário com esses homens sobre os quais, reconheçam, os senhores só têm a superioridade da força.

(Antonin Artaud)

Um comentário:

Jun disse...

nao assisti esse filme ainda! aproveita o ciclo, bela minha. beijonesss