sábado, 7 de junho de 2014

Chove desde que você chegou


É o vinho, ele diz. Não repare. Ou a chuva. Chove desde que você chegou. Telas, janelas, panos, cômodos. Tudo molha, chove a cântaros. Já tivemos um junho assim? Eu não sei. Aqui também chove o tempo todo. Pus um vaso-guarda-gotas sobre o criado-mudo, ao lado do caderno antigo. Recolhi as roupas. Afastei móveis e ruídos. Reli a carta, revi a cena. Era você naquele gesto? Meu passo, tua boca, dez segundos. Era você naquele mundo? Talvez eu te escreva um verso. Talvez eu te queira nua. Talvez eu esqueça o plano. Talvez eu já seja tua. É o vinho, ele diz. Ela não repara. Vontade de te abraçar. Vontade de dançar no teu abraço. Vontade de te beijar. Vontade de demorar no teu beijo. Suspira-se muito por aqui. Por aqui também - ele sussurra. Suspira-se como chove.

[Cântaro - Daniela Delias]

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

El laberinto de la soledad


Yuri viu que a Terra é azul e disse a Terra é azul.
Depois disso, ao ver que a folha era verde disse
a folha é verde, via que a água era transparente

e dizia a água é transparente via a chuva que caía
e dizia a chuva está caindo via que a noite surgia
e dizia lá vem a noite, por isso uns amigos diziam

que Yuri era só obviedades enquanto outros
atestavam que tolo se limitava a tautologias
e inimigos juravam que Yuri era um idiota

que se comovia mais que o esperado; chorava
nos museus, teatros, diante da televisão, alguém
varrendo a manhã, cafés vazios no fim da noite,

sacos de carvão; a neve caindo, dizia é branca
a neve e chorava; se estava triste, se alegre,
essa mágoa; mas ria se via um besouro dizia

um besouro e ria; vizinhos e cunhados decretaram:
o homem estava doido; mas sua mulher assegurava
que ele apenas voltara sentimental. O astronauta

lacrimoso sentia o peito tangido de amor total
ao ver as filhas brincando de passar anel
e de melancolia ao deparar com antigas fotos

de Klushino, não aquela dos livros, estufada
de pendões e medalhas, mas sua aldeia menina,
dos carpinteiros, das luas e lobisomens,

de seu tio Pavel, de sua mãe, do trem,
de seus primos, coisas assim, luvas velhas,
furadas, que servem somente para chorar.

Era constrangedor o modo como os olhos
de Yuri pareciam transpassarar parede,
nas reuniões de trabalho, nas solenidades,

nas discussões das metas para o próximo ano
e no instante seguinte podiam se encher de água
e os dentes ficavam quase azuis de um sorriso

inexplicável; um velho general, ironicamente
ou não, afirmara em relatório oficial que Yuri
Gagarin vinha sofrendo de uma ternura

devastadora; sabe se lá o que isso significava,
mas parecia que era exatamante isso, porque
o herói não voltou místico ou religioso, ficou

doce, e podia dizer eu amo você com a facilidade
de um pequeno-burguês, conforme sentença
do Partido a portas fechadas. Certo dia, contam,

caiu aos pés de Octavio Paz; descuidado tropeçara
de paixão pelas telas cubistas degeneradas de Picasso.
Médicos recomendaram vodka, férias, Marx,

barbitúricos; o pobre-diabo fez de tudo
para ser igual a todo mundo; mas,
quando aparecia apenas banal, logo dizia coisas

como a leveza é leve. Desde o início,
quiseram calá-lo; uma pena; Yuri voltou vivo
e não nos contou como é a morte.

[Eucanaã Ferraz]

domingo, 19 de janeiro de 2014

[até que o mundo seja ao contrário]

... amariquei também
os braços com tatuagens do teu
nome, vou esquecer-te rapidamente até
que o mundo seja ao contrário, porque
o amor ao contrário é um ódio
grande que cura os meus males, quem
quiser casar comigo, outrora
formoso e prendado, há de encontrar-me
aqui, monstruoso e paciente, a sopa ao
lume, os filhos sonhados como projeções
nas paredes escuras, cabelos pelo chão
gatos vadios

a minha casa é sob o alçapão,
não diz nada, podem encontrar-me pelo odor
a morte crescendo ou pelas linhas caídas,
sobrantes da tarefa árdua de repensar o
que vestir, mas se voltasse a sair à rua, gostava de
ter coragem para sair nu, talvez apenas os
gatos em meu redor, como fogo persa, sujo,
outrora tão formoso e flamejante, agora
atiçado aos pescoços de quem passa

[valter hugo mãe]

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Fronteiras

Os corações
(assim como as pátrias)
não deviam ter fronteiras.

Queria explodi-los
em suspiros, gozo e anátemas
para que de tantos pedaços
brotassem outras centenas.

Os corações
(assim como as pátrias)
não deviam ter fronteiras…

mas têm.

(Mauro Iasi)

sábado, 15 de junho de 2013

Esperando por nada.

Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Tempo


Mas este tempo
é ainda de sonhos
caroços e castigos
tempo
de pedir um tempo
ao tempo
pra que ele não mande
mais
no tempo
da nossa razão.

O tempo ainda é o tudo
dos nossos destinos
perdidos
em nossos desatinos
que ouvem os sinos
da igreja da esquina
que acorda a cidade
às seis horas da manhã.

Não há dois lados
no tempo
o tempo é um só.
e
nós
somos
todos
dentro
dele.

Quisera o tempo
ser tão imenso
quanto nós.

terça-feira, 7 de maio de 2013

“A palavra escorre do chão do céu da boca” no Porão da Bibliotheca


Por Ediane Oliveira


Na abertura da exposição, as artes de Camila Hein e Juliana Charnoud dialogarão com outros elementos artisticos como performance e música



Artes integradas, envolvendo exposição fotográfica, instalação, música e performance farão parte da noite desta terça-feira (7), no Porão da Bibliotheca Pública Pelotense. As artistas visuais Camila Hein e Juliana Charnoud apresentam a exposição “A palavra escorre do chão do céu da boca”, com o objetivo de compartilhar e poder criar outros diálogos, trazendo a união de trabalhos artísticos dentro de um espaço de arte.

A exposição trará uma instalação da artista visual Camila Hein, com parte de fotografias feitas no Templo das Águas, com as sonoridades de rio e poesia em gravação. O trabalho será complementado com artes realizadas no ano passado pela artista. Camila trabalha com arte desde 2000, é uma das criadoras do grupo Mafuá das Artes, coletivo e espaço que foram significativos na realização de atividades artisticas em Pelotas.

A Foto-performance Banho de Salsa de Juliana Charnoud é criada, através de uma performance feita exclusivamente para a câmera, resultando em 25 frames fotográficos. De acordo com Juliana, o trabalho remete ao banho como um ritual: “No banho, utilizo a Salsa: planta utilizada como erva, tempero e vegetal, contendo também propriedades medicinais como antioxidante e expectorante, para banhar-me, levantando a questão do banho como ritual de purificação.” Na ação é enaltecida a presença do elemento da Salsa, colocando em questão a crença sobre aquele elemento que trás consigo a promessa da realização de algo. Juliana é fotógrafa e possui um trabalho na fotografia experimental em Pelotas há alguns anos.

A palavra escorre do chão do céu da boca” foi realizada pensando num primeiro momento no espaço do porão da Biblioteca. Para Camila Hein, porão lembra algo gelado, frio, porém parado, inerte. “No entanto água é vida, movimento, mesmo sendo fria. Assim como a água a palavra é viva, muda, flui... o porão faz parte da biblioteca, que parece um espaço parado, mas que guarda a palavra... a palavra nunca toca a todos da mesma forma, ela é um encontro, uma possibilidade sempre de vir a ser...”, destacou.

A noite de abertura da exposição contará com a participação musical do grupo Percutralha, dos músicos Diego Portella e Eugenio Bassi e da performance da atriz Tai Fernandes. Às 19h07, no porão da Bibliotheca Pública Pelotense.