domingo, 29 de julho de 2012

Meu nome é nuvem.


Pó, poeira, movimento
O meu nome é nuvem
Ventania, flor de vento.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Fauzi Arap



Eu vou te contar... que você não me conhece, e eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não me ouve. A sedução me escraviza a você. Ao fim de tudo, você permanece comigo mas preso ao que eu criei. E não a mim.
E quanto mais falo sobre a verdade inteira, um abismo maior nos separa.Você não tem um nome, eu tenho. Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções.

Mas a mentira da aparência do que eu sou, é a mentira da aparência do que você é. Porque eu, eu não sou o meu nome, e você não é ninguém. O jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação, através da aceitação da distância e do reconhecimento dela.

Entre eu e você existe a noticia que nos separa. Eu me dispo da noticia e a minha nudez parada te denuncia e te espelha. Eu me delato. Tu me relatas. Eu nos acuso e confesso por nós.

Assim me livro das palavras, com as quais você me veste.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Tenho vinte e cinco anos de sonho.


Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava.
De olhos abertos, lhe direi:
- Amigo, eu me desesperava.
Sei que, assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 76.
Mas ando mesmo descontente.
Desesperadamente eu grito em português:

- Tenho vinte e cinco anos de sonho e
De sangue e de América do Sul.
Por força deste destino,
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues.
Sei, que assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 76.

E eu quero é que esse canto torto,
Feito faca, corte a carne de vocês.

[À palo seco - Belchior]

sábado, 7 de julho de 2012

Tão down: Pelotas e Cazuza


eu bato contra o muro
duro
esfolo minhas mãos no muro
tento longe o salto e pulo
dou nas paredes do muro
duro
não desisto de forçá-lo
hei de encontrar um furo
por onde ultrapassá-lo.
[Oliveira Silveira]

O que minha cidade tem em comum com o Cazuza é o 7 de Julho. Pelotas nasce há 200 anos atrás. Cazuza morre há 22 anos. Não sei se é apenas essa semelhança. Diante de um momento tão importante, onde a movimentação social parece se renovar e voltar seus olhos ainda mais para a força que se tem nas ruas e na voz daqueles que não se calam... me faz pensar que aquela ousadia que se tinha no Cazuza, aquela irreverência a tanta coisa, aquela paixão descontrolada, a flor da pele - um desespero gostoso e selvagem... - aquele grito, simplesmente o grito; também tem se estampado  em cada bandeira levantada, rosto, brado: sentimentos humanos colocados para fora.

Minha cidade vive um novo momento. Sou testemunha e sujeito neste processo de chama se acendendo. Em uma tradição tão enrustida e tão velha, as ruas estão tomando pessoas, independente de chuva, perseguição e repressão. Pelotas 200 Anos Para Quem? tem mostrado o quanto - quando as forças se unem, as coisas podem acontecer. Criação do Comitê da Memória, Verdade e Justiça coloca Pelotas ainda mais em referência nas apurações aos violentos crimes na ditadura militar.

Novo reitor de uma Universidade Pública eleito democraticamente, após 20 anos, muda muita coisa em um orçamento que consegue ser superior ao da Prefeitura. Coletivos de diversos temas transversais disseminando suas pautas e formando a reflexão e transformação. Mídias alternativas tomando força e começando a finalmente disputar este processo que outrora era tão hegemônico. Festival de Inverno chegando com tudo e colocando Pelotas como uma das capitais de um evento grande multiartístico. 
Hmmmm.. eu ando tão down.
Down de gana, de ternura. Talvez exagerada como Cazuza? Creio que não. 

 Foto: Paulo Granada

Hoje mais uma vez houve um  ato unificado da UFPel , com o apoio de outros movimentos sociais da cidade, em prol da melhoria da educação no País. Gravação do Jornal do Almoço Estadual ao vivo da Princesa do Sul no largo do Mercado... e as pautas da educação - e da cidade - em bandeiras, gritos e megafones do outro lado da cabine da imprensa em plena chuva. O ato mais uma vez foi pacífico, entretanto, infelizmente, a BM não está preparada para isso, e acabou enxergando professores, alunos e técnico-administrativos como "bandidos". A pergunta que não quer calar é: por que os policiais estavam tão armados em uma manifestação pela educação pública? Para que tanta imposição do medo?

Resultado: “cadeia”  por algumas horas para alguns companheiros. Isto é democracia? Temos uma democracia violenta.  Não vamos nos calar.

Essa perseguição é tão estupidamente estranha, mas esperada.
Não sabe o que é ser down.
Nós estamos tão down.

Pelotas comemora seus 200 anos. Parabéns, nossa Satolep.
Por te amá-la, amanhã vamos novamente às ruas.

Outra vez vou te cantar, vou te gritar
Te rebocar do bar
E as paredes do meu quarto vão assistir comigo
À versão nova de uma velha história
E quando o sol vier socar minha cara
Com certeza você já foi embora
Eu ando tão down.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Procura-se


Tive contato com a poesia de Martim César há alguns anos. Mais recentemente, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais de sua obra, através da edição do Poesia No Bar, que se deslocou a Jaguarão.
Publico aqui uma poesia deste autor. Uma busca incansável pela poesia viva ou morta. Respirá-la talvez seja o que esteja nos faltando cada vez mais. Procura-se a poesia, procura-se.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adolescente,
Ingênuo. Descobrindo e descobrindo-se.
Como o primeiro olhar de cumplicidade
E o primeiro beijo. E a primeira lágrima de dor.
(E não existe outro amor mais delirante).

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia contra a opressão,
Poesia como um rio sem represas,
Poesia libertária, abrindo grades,
Poesia devolvendo o céu aos pássaros,
Poesia sem preço, nem limites,
Poesia como lenitivo, como bálsamo,
Poesia contra as feridas deste tempo,
Poesia contra quem nos fere,
Poesia para quem nos fere,
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como a água que bebemos.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia de Neruda, eterna como as geleiras da sua terra,
Alta como a cordilheira que moldou o seu canto inigualável,
Livre como o condor, senhor dos ares ameríndios.
Poesia com gosto de vinho, poesia cor de sangue,
Poesia como o mar, belo e temível. Temivelmente belo.
Poesia de Drummond, cortante como um punhal,
Feita do ferro das suas minas não tão gerais,
Poesia denunciadora como a Rosa de Hiroshima,
Poesia gritando feito uma menina do Vietnam,
Nua. Queimada de Napalm, gritando...
Ardendo em chamas dentro de nós.
 
Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um relâmpago na noite escura,
Como o tímpano adivinhando o trovão
Que ainda não veio, mas virá.
Poesia como uma flor em meio ao charco,
Como as gotas de orvalho sobre a relva,
Como uma carta de amor no bolso de um soldado
Que foi morto por outro soldado que
também foi morto,
Ambos assassinados por alguém que
nunca foi à guerra.
Poesia épica como a música de Serrat
Onde Dom Quixote ainda enfrenta os cataventos,
E García Lorca ainda está vivo,
Zombando dos generais que o fuzilaram.
Como o exemplo de uma mulher por trás das barricadas,
Defendendo a frágil democracia de sua
imensa Espanha
E gritando: No pasarán!... No pasarán!... No pasarán!


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adulto, aparando arestas,
Buscando completar um estranho quebra-cabeças
Onde sempre está faltando alguma peça.
(E não existe outro amor mais desafiante).
Poesia como as mãos de Víctor Jara, tocando,
Mutiladas mas ainda ali, tocando
Para todos os opressores deste mundo, tocando
Para os abutres disfarçados de defensores da liberdade,
Pois cada Pinochet é somente um títere,
Perigoso títere de uma ideologia onde o lucro
É o único Deus e a águia é o símbolo do poder.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o espetáculo indescritível das estrelas
Numa noite clara, longe das cidades de neon.
Poesia como as mãos de um escultor
Moldando o barro, forjando o tempo.
Poesia como o sutil traço de um pintor
Transformando a matéria em sentimentos.
Poesia desesperada como um suicídio,
Como a dor das mães-avós da praça de maio,
Lutando contra o silêncio e o esquecimento.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como flecha contra mísseis e satélites.
Poesia como o pedaço de céu visto entre as grades
De todos os cárceres do planeta.
Poesia como a ausência das pessoas que perdemos,
Mas que continuarão em nós, enquanto vivermos.
Poesia como um barco regressando.
Poesia incoerente e bela. Incoerentemente bela.
Como o pranto solitário de Carlitos,
Como a ternura inquebrantável de Guevara.
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o ar que respiramos.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o último índio de uma raça,
Exposto aos brancos como um animal exótico.
Poesia como o grito igualitário de Zumbi
Sem entender porque a cor difere os homens.
Poesia como o coração de Chico Mendes
Sangrando sobre o verde da amazônia.
Poesia como os cem anos de solidão
A que estão condenadas todas as Macondos
Deste hemisfério culpado por ser inocente.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor maduro,
Bebendo a última luz do entardecer.
(E não existe outro amor mais verdadeiro).
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o sol de cada dia.
Poesia como alguém que dá sua vida
Por um ideal, por um amor, por um amigo,
Poesia como alguém que dá sua vida por alguém,
Sem importar-se, que, afinal, está entregando
A sua mais bela e - quem sabe -
Única, necessária e imprescindível poesia.