O silêncio. E o balançar das asas da mariposa que voa freneticamente em meia luz. São silhuetas do meu cenário aqui. É difícil, mas excitante pensar, - diante desse silêncio vazio e estridente, nos rumos de tantos caminhos paradoxos e entrelaçados. Gil Scott Heron geme ao piano que grita e dança ao passo da batida – lenta e penetrante: Looking for a way, out of this confusion. Preciso aumentar o som porque me mira e me leva. E porque os zunidos do inseto me entontam. É isso que me faz companhia aqui.
Lá fora, gotas caem em pleno cansativo dezembro. Não faz muito tempo que saí de perto de sirenes, sangue, gente sentada e deitada – a espera. Toquei suas mãos, beijei seu rosto e encostei-me em seu peito. Ele sorriu. Antes, 192 súbito e de repente. E ainda dizem que o solstício é no dia 21 de dezembro. O meu foi hoje. Em minha esfera, sua declinação demorou mais. Atingiu o maior tempo em latitude, me aqueceu e me insultou durante o longo dia todo. Minha órbita parou e eu vi o cair do meu mundo em instantes pelo reflexo de dor, impotência e desespero. Meu sol se foi, trazendo a escuridão que, através do vidro da janela, me observa agora com calma.
O cenário é o silêncio, o zunido, a gota, o som e o lento levantar da cabeça... de olhos fechados. Sempre consegui entender que o silêncio pode estar no meio do mar barulhento. Talvez esse último solstício do ano me fez viver hoje, - o dia que ainda não acabou como marca e banho de água gelada ou fervente que mostra sentido. E nem tudo faz sentido. Importa a vida que hoje foi colocada à prova. Você vai me dizer: ‘ela é colocada todos os dias.' Viver é um desafio, eu sei. Mas hoje eu sei que meu 2011 foi maior do que meu 2010.
Eu não sei como é perder quem mais amamos. Talvez seja uma espécie de perda de si mesmo e de tanto sonho sonhado junto. Há tanta vida lá fora querendo viver; também sei disso. Mas e quando as lembranças trazem a vivência inigualável e profundamente doce de uma relação mútua e significativa? Não sei, de fato, o que é morte e sei que um dia irei conhecê-la. Temo, mas temi hoje mais do que sempre a partida de quem mais amo. A morte de alguém que é a mesma minha. Não existiu, mas doeu.
E precisei de um abraço como dificilmente tanto busquei. De dentro do carro, um amigo, me disse: “viva, simplesmente”. Tirou parte do meu medo como bálsamo derramado em minha voz presa. E me sorriu com lágrimas falando de suas afeiçoes. Veja só como é a vida! Um dia pechamos copos com batidinhas de brindes! e às vésperas de um natal choramos por medo e incerteza.
Talvez a dor me faça mais forte. Talvez o insulto me faça mais corajosa. Talvez o sol só aqueça e a noite só encante. Talvez o susto lembre que a vida é uma só. Talvez a vida acabe logo ou permaneça. Talvez o brinde chegue agora no natal e todos nós estejamos em casa, juntos mais uma vez.
'Obrigada por ainda estar aqui. Me confortas. E me inspiras.'
E o zunido não pára. Mas o piano canta. De concreto, tenho ainda meu sorriso.
Quero estar perto de tudo. Lembrar do que sinto. Dizer que já fui feliz. E que o sol há de brilhar mais uma vez. Quero ficar ao lado, sentindo as batidas como quando segurei suas mãos e pedi pra ficar mais um pouco. 'Obrigada por ficar.' Quero continuar sendo água. Quero o colo. Rivers of my fathers. E os dias para continuar vivendo. De concreto, ainda tenho a vida e a presença de quem amo.
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa Ninguém vive mais do que uma vez Deixa Diz que sim prá não dizer talvez Deixa A paixão também existe Deixa Não me deixes ficar triste.
. No Dia da Consciência Negra, Pelotas recebeu um dos maiores eventos culturais de 2011: Hip Hop Representa. O local trazia a estética de uma velha renovada Pelotas, com suas paredes envelhecidas, na antiga Estação Férrea, - um dos locais onde os negros antigamente nem chegavam.
Palco pronto, periferia no centro, música e palavras durante o dia todo. Pelos lados e cantos, rostos velhos e novos: Jair Brown, Gagui IDV, Banca CNR, Contra Regra, Guerreiros de Mente Aberta. Palco e platéia eram um só.
A noite teve a participação, 'vinda do Planalto Central', de GOG.
Genival Oliveira Gonçalves é percursor do movimento no final dos anos 80, em Brasilia. Com envolvimento em movimentos sociais como o MST e projetos pessoais na área da educação, Gog tem a língua afiada e com seus poemas longos de protesto exprime absurdos sociais, alivia indignações como porta-voz e motiva a entender que o que está diante dos nossos olhos é tão urgente quanto nossa necessidade de viver.
Video – Coletivo Rede:
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E pese a pauta ‘hip hop’, impossível não lamentar o episódio no mínimo desconfortável que aconteceu ontem(link também AQUI) com a produção do show do Emicida na cidade. Depois de um 20 de novembro em paz, Pelotas desconstrói parte do que vem construindo e intensificando. Sim, 2011 foi um dos anos emblemáticos para o movimento hip hop. Depois de tanta resistência, picuinha, periferia contra periferia e motivações pessoais, finalmente algum avanço se teve neste ano: Discussão da Lei de Incentivo à Semana do movimento, audiências massivas, gravações de discos e clipes, envolvimento com a região sul e eventos unificados.
Como testemunha do crescimento que vi neste último ano, encerro dezembro com um pouco de esmorecimento depois da violência de ontem. E não falo apenas de 'empurra-empurra', tensão e batidas corporais. Falo da ausência de cautela a algo que deveria ser mais sério, considerado e pesado por ambos os lados.
Meu desejo, como pelotense e representante da imprensa cultural é que possamos parar e refletir sobre a história representativa na cidade. A cultura hip hop não deve servir para o enobrecimento pessoal, mercadológico e hipócrita daqueles que se dizem ‘representantes’ de um movimento que nasceu com a motivação de agregar e transformar a realidade.
Para encerrar, esperando um 2012 mais maduro para o movimento cultural, ainda que reconhecendo seu esforço, fico com as palavras de Gagui: “Ou a gente devolve o hip hop pro povo, ou o povo vai abrir mão de lutar pela causa.”
Luz esmorecida diante de tudo Somos nós, de novo, cego e mudo O castigo que traz brado de alívios Somos nós, como nunca, em homicídios.
Reviveremos pois, um dia, ineditamente, um a um e para o outro Se acaso me enxergares diante de luz Como tua, em teu corpo Resplandecendo marcas de ânimo Devagarinho Limpando cada pranto.
É assim que te vejo E é assim que me entrego Por trás da luz que desaparece aos poucos Tua presença ainda corta meus medos tolos Estaca o sangue, inunda a alma Acalma
E jorra em mim teus pedaços Antepassados e presentes. Somos nós, e eu sozinha Em sonhos quentes.
Ousada, te lanço manifestos, te coloco em uma cruz Teus laços tão vivos: teu peito quem conduz E assim, como quem morre, desligo o abajur, visto o capuz E me apago, violentamente, conforme essa luz.
Espaço dedicado ao compartilhamento de arte, debates, ideias e manifestações humanas.
Que a sensibilidade nos mostre a morte que temos feito de nós, humanos que somos, caçadores de esconderijos.
Que a sensibilidade nos aproxime, do nosso próprio ser, antes de mais nada.
... eu imaginei quando por trás de mim o mundo acontecia. Tão perto. Íntimo. E frio como gelo que não derrete.
As folhas estavam agitadas pelo frio seco e ensinavam um novo caminho distraído, mas inquieto. Quis voltar e partir para o inverso daquilo que planejei. Mas os planos já estavam feitos. Segui pela sonoridade que o coração insistia em lembrar. Lembrei do mundo real. Sangrento, solitário, barulhento e indiferente.
Pai, até quando vamos continuar nos enganando? As cenas estão distantes. Estragamos tudo. Deixamos para depois o que deveríamos ter vencido inicialmente. Perdemos por nossa causa. Intercalamos as atividades, jogamos para o mar a sensibilidade do nosso corpo, do nosso ser... E continuamos buscando nos encontrar. No vão da nossa alma.