domingo, 18 de julho de 2010

Mas nos deram espelhos...

e o que vimos?


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Em meio a esse frio gelado que minha cidade tem vivido nas últimas semanas, não houve melhor época para um respiro de férias do curso de pós graduação.


Com o início de descanso, não esperei muito para – ao menos - tentar vencer parte da lista de filmes e documentários que estão entre as tarefas que me dediquei a fazer nesse período mais livre.
Busquei assistir algo inédito, mas em uma fração de dúvidas e, talvez pelo acaso (não sei se posso dizer isso...), encontrei-me revendo um documentário brasileiro que muito fala sobre a realidade urbana e desigual.

Ônibus 174, dirigido por José Padilha em 2002, caso ardentemente explorado pela mídia e conhecido pelo público desde 2000.
Já perdi as contas das vezes que busquei ler e ver sobre o tema - afinal, faz parte do objeto de pesquisa de um estudo que fiz na graduação,- mas cada vez que vejo todo aquele processo, é como se fosse a primeira vez.

Tamanha verdade angustiante de aceitar.





Viver é difícil. O difícil dificulta

O filme aborda apenas um exemplo do vasto índice de histórias sociais perturbadoras e quase irreiais, ainda que tão presentes. Em seu foco, mostra uma história verdadeira acontecida no Rio de Janeiro, tendo como personagem principal Sandro do Nascimento, fruto de um mundo violento, envolvendo um seqüestro protagonizado por ele mesmo, aos 17 anos. Ele tem sua infância marcada ao ver a mãe assassinada a facadas. Por não ter paternidade assumida, aos 6 anos de idade fica sozinho e vai morar na periferia do Rio, sendo adotado por uma tia. De acordo com ela, Sandro vivia perturbado psicologicamente, lembrando da dolorosa morte a sangue frio de sua mãe, diante de seus olhos... ainda que demonstrasse uma personalidade fria e irracional em diversas etapas de sua vida.

O período da infância e da adolescência de Sandro é movido por assaltos e dependente consumo de drogas. Foi preso em delegacias, conhecendo a bruta realidade da superlotação nas celas das prisões, passou por internatos de menores e presenciou outras mortes além da já citada: ele viu seus amigos, companheiros de rua, mortos através do massacre da policia na Praça da Candelária. O menino foi um dos sobreviventes desta Chacina, em 1993.
O desenrolar da história mostra Sandro sem rumo, ou talvez absoluto em sua decisão de morte alheia, quando sobe em um ônibus e realiza um seqüestro duradouro e dramático.


Visto como o ‘marginal violento de 2000’, assim chamado por um massivo veículo de comunicação, Sandro faz parte do mundo separatista e desigual, decorrente da exclusão. Da exclusão para uma busca por visibilidade e reconhecimento, ocasionando conseqüências assustadoras que assolam uma sociedade em pânico; do medo de uma sociedade, à solidão humana, à violência viva e fria sem medida, capaz de matar culpados e inocentes, ricos e pobres, solitários e efusivos, individualistas e solidários, cativos e felizes. Todos vivendo no mesmo território, ainda que com visões tão distintas, ainda que os contextos vividos sejam diferentes. E toda essa trajetória entre a satisfação e a tristeza, entre o céu e o inferno, entre os dois mundos, me lembra que se faz importante contextualizar a representação de Sandro por tantos outros que se assemelham ao mesmo ‘local de posição social’, vitima e espelho de uma sociedade injusta, personagem de um acontecimento real e marcante. E de um mundo sedento por paz, mas espaço e ambiente do aumento da violência.

É necessário levar em conta que essa problemática excludente da desigualdade social é inerente ao capitalismo, o qual se torna cada vez mais acelerado e que no Brasil, há quinhentos anos se convive com os problemas da exclusão, a qual se materializa cada vez mais, numa população de pobres, sem-teto, desempregados, doentes, analfabetos, crianças em situação precária, muitas delas ligadas ao crime pela própria falta de orientação e educação.

Violência... a violência é violenta


O comportamento que causa dano a outra pessoa, ou qualquer outro ser. O modo que também gera força, a ação contrária que nega-se autonomia e possui forte poder físico e psicológico: a violência. Uma vertente e uma característica cada vez mais acentuada em uma sociedade pós-moderna. Ela sempre esteve presente. Nasceu junto com o homem, cresceu na criação do comportamento humano, mas atualmente, ela está tão próxima de um contingente quanto o bem.

Ônibus 174 é um dos exemplos que mostra a cidade maravilhosa, pólo turístico, musicada, decantada em prosa e verso... e também palco da violência angustiada, insegura e traumatizada. E não sejamos puramente inocentes, Rio e Sandro são apenas um dos tantos e multiplicados grãos sociais mundiais. Não se quer aqui limitar nada, afinal, tristemente essa bruta realidade é encontrada abaixo do céu, de norte a sul. E de leste a oeste. Mas deixe-me dizer: é um mundo paralelo. Pegaram o objeto redondo e de alguma forma o posicionaram ao inverso. Viraram sua cabeça. Para baixo. Estamos com nossas faces nos lugares dos nossos pés. Até que ponto chegamos? Ou aonde vamos chegar?

Para quem já conhece o caso, sabe que Sandro é morto no encerramento do episódio, ainda que, ao ameaçar matar uma das reféns em meio ao desespero, o tiro mirado pelo policial com a intenção de matá-lo, tenha acertado uma refém. Gritos, tiros, açoitação, guerra, câmeras, fogo, multidão. Sandro é pego pela polícia em meio à tempestade, é linchado e morre pelo caminho. Duas mortes. Refém e Sandro. Lembrei de sua mãe. Três sangues. Menos três vivos. Os gritos permanecem. E a realidade aperta ainda mais sua dura dramaticidade.

Após alegações e polêmicas diante da morte do seqüestrador, os policiais responsáveis pela morte de Sandro foram levados a julgamento por assassinato e foram declarados inocentes. Uma investigação inocentou ainda mais a polícia, reiterando a identidade de Sandro como criminoso: concluiu que a refém morta levou quatro tiros: um da polícia e três de Sandro.

O caso Ônibus 174 faz tornar-se impossível não pensar na indiferença. Na solidão. Na tal ‘busca por visibilidade’ tão importante de ser refletida e debatida. Na exclusão muitas vezes explorada de forma irreconhecida e irreponsável. No paralelismo. Na morte. Na dependência. No aumento dos índices. Na banalização dos culpados. Na permanência dos inocentes. Na bruta realidade. No sangue sentido. No “não ter” e querer ter. Nas mortes. Na vida. No descaso. No não saber o que se é. No anseio em ser reconhecido. No silêncio político. Silencioso silêncio.

A dor é dolorida.

2 comentários:

jun disse...

parabens pelo texto, mto necessario.
lembrei de sua pesquisa, foi uma das mais autenticas que li.

nao me canso de ler vc,
nem de nada relacionado a ti!

linda. sempre linda vc.

Marcella Cavalcante disse...

Que jogo de palavras, Di! Vc está cada vez mais interessantíssima! Fazia um bom tempo que eu procurava definições sobre essa realidade, o caso é necessário de falar e você foi madura, sensata e sensível. Preciso ler sua pesquisa. Continue assim, tão doce e ao mesmo tempo tão mulher! Bj, Marcella.