
Eu não sei se a madrugada começou tão triste ou se o dia amanheceu em lágrimas. Talvez ambas afirmações estejam certas.
O relógio marcava três horas da manhã. O silêncio se tornou indefeso quando a notícia chegou a tantos de forma instantânea. A mim, ela chegou e fixou-se como um selo de questionamento e dor.
"Polícia Rodoviária Federal confirma morte de Claudio Milar e mais dois em acidente com ônibus do time Brasil de Pelotas,
Zagueiro Régis e treinador de goleiros Giovani Guimarães são as outras vítimas.
Três pessoas morreram no acidente envolvendo o ônibus que levava a delegação do Brasil-Pel de volta a Pelotas no fim da noite desta quinta. A informação foi confirmada pelo coordenador de operações da Ecosul (concessionária que administra a rodovia federal), e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). A PRF divulgou, inclusive, o nome de três mortos: o atacante uruguaio Claudio Milar, ídolo da torcida, o zagueiro Régis e o treinador de goleiros Giovani Guimarães." informou a imprensa.
O dia virado em rotina e novidade tornou-se mais sombrio. Nem a chuva fria que caia do outro lado da janela nesse clima quente de janeiro contribuiu para o momento ficar mais cinza e triste. Não bastavam mais as lembranças das alegrias momentâneas do dia e nem da noite, até então. Tudo ficou tão parado naquele instante em que me deparei com a notícia dessa tragédia marcante.
Tente me entender. Estou falando de fidelidade. Falar de tudo o que o time Brasil de Pelotas representa na cidade como no Rio Grande do Sul [e por que não dizer no Brasil?] é completamente difícil para mim. Falar de Xavante, de torcida com garra e paixão em um momento desses é lembrar de cada história construida durante anos por guerreiros que tinham como meta voar mais alto. A meta ainda permanece. Mas nesse momento, a dor invade em todos.
Sentimentos de dúvida, inconformismo e tentativas de fazer o tempo voltar e começar tudo de novo se fazem presentes dentro de mim. O silêncio soou em gritos que pediam uma falsa verdade. Nada poderia ser mais verdadeiro como o que acabei de ler. Queria que o acontecimento não fosse tão real como o pesar que se encontra em mim.
O som calado melodiava como música triste, embora eu não entendesse aqueles ruídos e buscasse decifrar como um silêncio poderia ressoar. O coração queria escrever, mas chorava. O telefone tocava sempre. As letras precisavam sair.
Como será no dia seguinte? Ter de ser forte e encarar a realidade fazendo o papel de cidadão e imprensa? É necessário divulgar, mas eu quero me calar. Falar de morte, é lidar com vidas, famílias, histórias e caminhos. Falar de morte de jogadores do xavante, é lidar com tudo isso e com uma torcida desesperadamente apaixonada. Mas esse termo 'torcida' carrega consigo ainda uma série de significados fortíssimos dentro do contexto em que vivo. Carrega esperança, expectativa, adrenalina, fidelidade e mais paixão. Carrega choro, carrega ânimo. Ser xavante é suar a camiseta quando se está cansado e mesmo assim continuar achando que sempre valerá a pena. Ser xavante é valorizar o presente, é ser feliz pela história e pelo que motiva a acreditar em um futuro próximo bom. Ser xavante é apesar de tudo, sentir-se feliz.
A história rubro-negra tornou-se mais negra do que rubro hoje. E quando falo isso, apenas quero dizer que ficou mais escura, simbolizando o 'luto'. Ficou mais cinza, mais calada. Impossível não se comover. Difícil não querer ver os ponteiros do relógio correrem na direção contrária para tudo ser diferente. Mas eu não esquecerei os aplausos em que demos hoje naquele estádio repleto de lágrimas e corações em pedaços. Aplausos de valorização e reconhecimento a tudo o que cada um representou e sempre representará dentro da história do time, dentro da história de vidas torcedoras.
Cada lágrima de cada apaixonado, simpatizante ou desconhecido caiu como um sentimento de 'adeus'. As homenagens, as visitas, os inúmeros aplausos de novo me deixaram constrangida com o acontecimento. É como se eu ainda não estivesse conhecido esse mundo tão instantâneo e surpreendente. Ontem o gol do pênalti. Hoje a tragédia. Ontem a vibração com a torcida seguida da entrevista descontraída. Hoje a morte.
O time forte com cores de raça perdeu Claudio Milar, grande ícone e herói futebolístico para todos os que o conheceram. Perdeu o companheirismo e a força de Régis, perdeu Giovani na parte colaboradora técnica. Perdeu três filhos de sua trajetória, mas não perdeu a garra e a esperança.
Avante com todo esquadrão Xavante querido. Eu quero te ver vencer. Seja com lutas, seja com choros. É assim que te fazes querer sempre merecer. Tu tens o teu nome gravado na história, eu ainda serei testemunha de todas tuas vitórias.