quarta-feira, 20 de março de 2013

Aqui fora, aqui dentro (Texto I - E-cult)


Já está impressa e distribuída pela cidade a primeira versão do novo jornal cultural: E-cult. O projeto E-cult começou como um  site e agora tornou-se um jornal que passa a contar com uma nova formação de editores, redatores e colunistas.

A edição tem uma tiragem de 4.000 exemplares, que podem ser encontrados em universidades, cafés, associações, bares, coletivos, ongs e pontos culturais espalhados pela cidade de Pelotas.

Ao lado de Guilherme Oliveira, faço parte da etiqueta "Colunistas" no jornal, escrevendo um texto a cada edição.

Um tanto difícil e excitante começar o primeiro texto. Um tanto assim, tão vago, em uma auto-crítica necessária, mas com o tempo vamos afinando mais e mais.

Sugestões e tudo o mais sempre serão bem-vindas.
*


Pensar no que Pelotas representa em sua cultura artística tão icônica, requer um exercício multidisciplinar, desconfortável em certo ponto, admirável em outros, e, acima de tudo, um exercício bagunçadamente mestiço. Difícil para não dizer impossível. Forte para não dizer pesado e denso. Pelotas grita e silencia. O tempo todo.

Sempre me questionei com a ideia de uma Pelotas tão tradicional em uma visão geral e predominante. Já conheço o discurso firmado em um contexto de uma época que ditou estereótipos, costumes e dogmas de uma Pelotas menos diversa do que, de fato é e sempre foi. O discurso é até coerente dentro da particularidade que se escolheu. Pois é verdadeiro e comum sabermos - e, inclusive, disseminarmos e fomentarmos nossa visão, sentimento e identificação da Pelotas fria e francesa, com seus  prédios, casarões,  lagos e  pedras que fizeram do nosso chão um chão tão nosso. Essa estética fria, com praças, chafarizes, chapéus e cachecóis;  e todos os elementos que compõem o pacote estão tão próximos e tão embutidos em nossos modos automáticos de vermos e sentirmos nossa Satolep que chega um ponto – e este ponto não é o limite, que é preciso também olhar para o outro lado da ponte.

Nem é preciso o outro lado. Diante dos nossos olhos abertos, veremos uma Pelotas fria sim, uma princesa chuvosa e úmida, mas além da temática do clima e tempo – e tudo o que isto venha a representar, há um misto de vivências e peculiaridades capazes de tornarem uma teia quase infinita de pontos que fazem de Pelotas, indubitavelmente, um bucolismo cultural, vivo, imagético, marginal, poético, e, repito: gritante e silencioso.  

Pelotas, esse paradoxo entre o asfalto e o barro. Entre o canteiro e a valeta. Entre o salto-alto e o chinelo de dedo. Entre laquês e piolhos. Pelotas tem mármores com lustres brilhantes e muros, tão perto exclamando: “Estes grandes prédios foram levantados por mãos escravas!”. Pelotas, esse paradoxo entre tanta coisa latente, é também terra da resistência do movimento hip hop que cresce nas periferias e reúne mais de 1000 pessoas em shows de guris de vinte e poucos anos em praças centrais. Genialidades como a de um escultor analfabeto que dá ensinamentos para acadêmicos e pesquisadores de artes, não fazem parte ainda das Salas de Arte, mas existem em vivências diárias nos bairros e no centro.  Pelotas, terra do choro grandioso de Avendano e seus companheiros, do reconhecimento nacional de suas produções caseiras, feitas ali, na salinha de casa, sem marketings e holofotes. Pelotas é também terra de instrumentos exóticos e ancestrais, criados e tocados por M. Baptista, Giba-Giba e Dilermando, como o tambor de sopapo, elo com a África. Pelotas, sede antiga do Carnaval popular de rua lá de décadas atrás, - no tempo em que nosso Carnaval não era privatizado e tinha o reconhecimento de um dos mais procurados do País. 

Pelotas grita e silencia. Gritos de diferentes cantos, formas e sintaxes.  Um gesto mudo em diferentes episódios de tempo e lugar.  Pelotas é gritante nos esteriótipos antigos-atuais e ainda um tanto silenciosa para abrir-se ao reconhecimento e identificação da sua complexa e bela diversidade. Pelotas às vezes é fora quando quer ficar dentro de algo só. 

Pelotas é cênica, bailarina e cinematográfica. Tem também reggae, samba, jazz, blues, rock underground, boemia, escritores novatos que ainda não publicaram, alguns colocando a boca no trombone, através de sua arte, gente diferente escondida, precisando ser vista por uma perspectiva mais ‘somos além de uma estética estabelecida’.  E Pelotas é também clown: Tem Teatro do Oprimido e palhaços espalhados fazendo arte na frente de um Teatro fechado. 

Ediane Oliveira é Jornalista. Produz e apresenta o Programa Navegando RádioCom e faz parte da Maria Bonita Comunicação.

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