Não é todo dia que se encontra o Belchior. Aliás, neste tempo tão business em que falar do seu sumiço rende curiosidade, o encontrá-lo soa como surpresa. Em tempos que o Fantástico fazia uma série sobre o seu desaparecimento, eu o encontrei aqui.
Entre frio de julho de 2011 e ruídos da rua, sentamos em um Café que nos desse margem à visão da cidade por fora. Com um Vício Elegante de quem observava o olhar de quem nunca o tinha encontrado, Belchior se resume em cada verso que sempre cantou: “Sons, palavras, são navalhas/ E eu não posso cantar como convém /Sem querer ferir ninguém.”
Um típico compositor que não se encontra em qualquer esquina. Além da genialidade visível, Belchior não é posudo e sua sensibilidade cortantee sutil, nos leva a uma esfera de questionamento sobre este tão vasto e complexo mundo doentio.
- Como é a poesia aqui? - perguntou.
Com minha Lira dos 20 e poucos, respondi que está sendo retomada, depois de tanto tempo. De Lobo da Costa até agora, o que mudamos? Pelotas nunca esteve tão desapegada de padrões na poesia. Não estamos tão dependentes da vanguarda. Nossos poetas não saem muito a noite. Acordam cedo, precisam trabalhar e cuidar dos filhos.
Ele perguntou de novos e velhos. Parecia fazer em tantas vezes um pequeno mapa do tempo. Questionou o fechamento do nosso Sete. Elogiou nossa praça. Lamentou nossas estúpidas desigualdades sociais.
“O movimento literário russo deveria ser como espelho a todos nós. Eles foram revolucionários.” Disse que tem composto muito. E sobre a especulação de sua vida na mídia, prefere silenciar. Seu desespero poético não é apenas em “Moda 73”. Belchior ainda está tão vivo e presente como em tempos de “Como Nossos Pais.”
Tudo estava no mesmo lugar. Pelo vidro que observava a cidade, vimos a essência do cotidiano daqui. Nós feito aqueles galhos de árvores do outro lado. As placas. Bicicletas com megafones roucos. A venda na rua. A venda por dentro. O papelão e o corpo. A cidade se consumindo. O resto todo vivendo.
Ele voltou os olhos à mesa. E permaneceu tomando o chá de canela com maçã. Pediu um doce. Conversamos sobre mendigos, arte e trânsito. Nos despedimos. Belchior veio subitamente e foi embora da mesma maneira.
Com aquela melancólica sensação de quem acaba de assistir uma obra de Lars Von Trier, saí com o coração em chamas, tão imagético, cinza, afoito, quente e calado. O Poeta do Coração Selvagem mostrou que estava certo: o delírio é a experiência com coisas reais em um ‘Até mais ver de Corpos terrestres’, em nossa ‘Pelotas ao Contrário’, como ele quis chamar. Belchior foi embora. Mas disse que quer voltar.
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