8 de Março de 2010.
Hoje eu conheci um pouco da ausência humana de escolha. Visitei por horas a solidão verdadeira. Caminhei no escuro e senti melodias tristes entre os sons de paredes sujas. Hoje eu saí do mundo ali fora e me aprisionei no mundo fechado. Pedi permissão ao silêncio para ouví-lo com mais eco e entrei por uma porta onde me mostrava um caminho que me dava apenas uma direção. Pelo caminho encontrei várias portas. A fechadura era a marca registrada em comum nas suas ferrugens. Os cadeados que fechavam histórias traziam sutilmente relatos bruscos de angústia e desapontamento. Ainda na porta, uma pequena janela dava margem a mortes escondidas. Hoje eu conheci um pouco do outro lado. O mundo paralelo que parecia tão distante, esteve ao meu lado ou dentro do meu mundo.
Em uma data simbólica ao Dia da Mulher, foi comum encontrar desde o início da manhã mensagens de auto estima e consumismo, capazes de enfeitar o fabuloso dia de ‘mãos limpas’, ‘contas pagas’ e ‘tá tudo bem’. Os conhecidos discursos de datas comemorativas foram mais uma vez cumpridos fielmente. Hoje, as palavras eram efusivas no mundo afora. Mas depois de viver normalmente todo esse ritual, eu escolhi ir para o mundo real, com menos barulho e talvez mais dor. Não sei se essa superficialidade atual em que se vive no mundo aqui fora, pode ser considerada realidade. Mas ainda escolho aquilo que me torna mais humana como verdade. Honestamente, não sei, mas prefiro não saber. Os mundos cada vez tornam-se mais irreais porque eles estão perdidos e não se encontram.
O que seria uma visita jornalística para saber a realidade de detentas, tornou-se em opção por enfrentar a escolha de arrepios constrangidos ao ler histórias através de diversos olhos femininos. Eles se encontravam atrás de grades, por entre as celas, naquele único corredor cumprido. Encontrei o fator diferencial entre os dois mundos: a bruta solidão física e ardentemente emocional somada à ausência de liberdade, ainda que o ‘meu’ mundo não me faça uma pessoa livre e não me ofereça o infinito. Ao menos esse daqui. Ao menos o que foi feito dele. Ou talvez o que eu própria tenha o tornado.
Lá, na escuridão do corredor cinzento que me apresentava celas, todas são iguais. Talvez essa característica também diferencie tanto do mundo aqui fora. Não há separação ou direito desigual. Assassinato a um filho ou roubo de uma fruta no supermercado estão enclausurados na mesma cela. Vivem a mesma solidão. A de não poder olhar paro o céu e o encontrá-lo cheio de estrelas a noite. Ou de ter acesso apenas à parte da grande intensidão da luz do sol a cada tarde de verão. Ou talvez de contar os dias e as incansáveis horas para poder receber palavras simples de alguém do mundo ‘normal.’ Lá, não há direito para correr na chuva só para se refrescar e relembrar a infância. Não há escolha para a expectativa do sábado a noite por entre as ruas, sem direção, com os amigos ou com sua própria companhia. Não há direito para o almoço em família no domingo. Lá os pesadelos são normais e os sonhos são valorizados. O tempo é ainda mais predominante e dominador sob homem, ao ponto de desapontá-lo.
São portas iguais com histórias únicas que nos confrontam. Passados inconseqüentes e julgadores. O homem tornou-se traidor de si mesmo e só é dono do seu presente.
Na prisão, o barulho ecoa um pedido de liberdade e novidades. Expressas em seus olhos, as noites pareciam longas e o arrependimento doer como fogo ardente no peito. Existe a esperança para aqueles que são fortes. Mas o que seria a força? Lá, todos os sentimentos são colocados à prova. Como saber se sou forte se ainda não conheço o real sentido da fraqueza? Como tornar-me-ei fraca se já suportei a morte? E quem há de pagar pelo que se faz nessa terra? Lá, o julgamento mostra os dois lados de forma mais intensa e avassaladora.
Saí pra rua. Tive vontade de ver o céu azul misturado ao frio úmido da minha cidade. Voltei mais uma vez. Uma delas me perguntou se eu poderia dar notícias do mundo aqui fora. Disse que continuamos doentes, presos como elas. Mas suavizei que havia muita música, arte, sonhos e esperança em alguns corações. Duas delas sorriam e uma delas me disse que sentia vontade de dançar. Em uma fração de segundos meu coração se apertou, contraiu-se como estivesse sendo esmagado por um par de mãos firmes. Disse a ela que dançasse. O pleno corredor escuro não poderia ofuscar o desejo de se movimentar. Ela disse que queria correr. Fiquei sem respostas, pois correr exige espaço, livres espaços. Estávamos apertadas, por entre as celas e suas ferrugens tão gastas. Mas a encorajei a correr dentro do ambiente que lhe era permito estar. Ela disse que iria tentar.
Não sei se dançou. Eu voltei pro mundo real e ilusoriamente livre.
Pelo caminho das ruas, encontrei algumas crianças, pelas calçadas, deitadas. Fui para o meu ambiente de trabalho. Me senti impotente. Lembrei que, depois de minha jornada de serviço, poderia fazer o que eu quisesse. Correr, dançar e sonhar na minha cama. Lembrei do desejo da dança daquela detenta. Pedi a Deus que a fizesse dançar, ainda que estivesse lá. Ainda que estivesse presa por ter cometido algum “erro”.
A noite, cheguei no portão da minha casa e meu cachorro, agitado, livre e correndo freneticamente como faz diariamente, me recebeu com alegria. Seus olhos estampavam felicidade por me ver. Meus carinhos o deixaram efusivo como uma criança quando ganha um brinquedo. Tive vontade de chorar. Lembrei que tenho meu cachorro, meus pais, meus irmãos, meus amigos e quem eu quiser. Ao meu lado. No mesmo mundo. “Estou livre”, longe de celas físicas e posso correr e dançar sem pedir permissão ou simplesmente apenas desejar.
Mas até que ponto, nós, habitantes desse mundo aqui fora nos diferenciamos daqueles que moram no corredor escuro?
Temos perdido nossa liberdade em um mundo que nos dá acesso a sermos livres. Tornamo-nos escravos do nosso próprio tempo e de nossas atitudes, sendo elas pagas no vazio e no frio das grades... sendo elas pagas na imensidão da chuva e das ruas que nos dão escolhas de direção.
Em uma data simbólica ao Dia da Mulher, foi comum encontrar desde o início da manhã mensagens de auto estima e consumismo, capazes de enfeitar o fabuloso dia de ‘mãos limpas’, ‘contas pagas’ e ‘tá tudo bem’. Os conhecidos discursos de datas comemorativas foram mais uma vez cumpridos fielmente. Hoje, as palavras eram efusivas no mundo afora. Mas depois de viver normalmente todo esse ritual, eu escolhi ir para o mundo real, com menos barulho e talvez mais dor. Não sei se essa superficialidade atual em que se vive no mundo aqui fora, pode ser considerada realidade. Mas ainda escolho aquilo que me torna mais humana como verdade. Honestamente, não sei, mas prefiro não saber. Os mundos cada vez tornam-se mais irreais porque eles estão perdidos e não se encontram.
O que seria uma visita jornalística para saber a realidade de detentas, tornou-se em opção por enfrentar a escolha de arrepios constrangidos ao ler histórias através de diversos olhos femininos. Eles se encontravam atrás de grades, por entre as celas, naquele único corredor cumprido. Encontrei o fator diferencial entre os dois mundos: a bruta solidão física e ardentemente emocional somada à ausência de liberdade, ainda que o ‘meu’ mundo não me faça uma pessoa livre e não me ofereça o infinito. Ao menos esse daqui. Ao menos o que foi feito dele. Ou talvez o que eu própria tenha o tornado.
Lá, na escuridão do corredor cinzento que me apresentava celas, todas são iguais. Talvez essa característica também diferencie tanto do mundo aqui fora. Não há separação ou direito desigual. Assassinato a um filho ou roubo de uma fruta no supermercado estão enclausurados na mesma cela. Vivem a mesma solidão. A de não poder olhar paro o céu e o encontrá-lo cheio de estrelas a noite. Ou de ter acesso apenas à parte da grande intensidão da luz do sol a cada tarde de verão. Ou talvez de contar os dias e as incansáveis horas para poder receber palavras simples de alguém do mundo ‘normal.’ Lá, não há direito para correr na chuva só para se refrescar e relembrar a infância. Não há escolha para a expectativa do sábado a noite por entre as ruas, sem direção, com os amigos ou com sua própria companhia. Não há direito para o almoço em família no domingo. Lá os pesadelos são normais e os sonhos são valorizados. O tempo é ainda mais predominante e dominador sob homem, ao ponto de desapontá-lo.
São portas iguais com histórias únicas que nos confrontam. Passados inconseqüentes e julgadores. O homem tornou-se traidor de si mesmo e só é dono do seu presente.
Na prisão, o barulho ecoa um pedido de liberdade e novidades. Expressas em seus olhos, as noites pareciam longas e o arrependimento doer como fogo ardente no peito. Existe a esperança para aqueles que são fortes. Mas o que seria a força? Lá, todos os sentimentos são colocados à prova. Como saber se sou forte se ainda não conheço o real sentido da fraqueza? Como tornar-me-ei fraca se já suportei a morte? E quem há de pagar pelo que se faz nessa terra? Lá, o julgamento mostra os dois lados de forma mais intensa e avassaladora.
Saí pra rua. Tive vontade de ver o céu azul misturado ao frio úmido da minha cidade. Voltei mais uma vez. Uma delas me perguntou se eu poderia dar notícias do mundo aqui fora. Disse que continuamos doentes, presos como elas. Mas suavizei que havia muita música, arte, sonhos e esperança em alguns corações. Duas delas sorriam e uma delas me disse que sentia vontade de dançar. Em uma fração de segundos meu coração se apertou, contraiu-se como estivesse sendo esmagado por um par de mãos firmes. Disse a ela que dançasse. O pleno corredor escuro não poderia ofuscar o desejo de se movimentar. Ela disse que queria correr. Fiquei sem respostas, pois correr exige espaço, livres espaços. Estávamos apertadas, por entre as celas e suas ferrugens tão gastas. Mas a encorajei a correr dentro do ambiente que lhe era permito estar. Ela disse que iria tentar.
Não sei se dançou. Eu voltei pro mundo real e ilusoriamente livre.
Pelo caminho das ruas, encontrei algumas crianças, pelas calçadas, deitadas. Fui para o meu ambiente de trabalho. Me senti impotente. Lembrei que, depois de minha jornada de serviço, poderia fazer o que eu quisesse. Correr, dançar e sonhar na minha cama. Lembrei do desejo da dança daquela detenta. Pedi a Deus que a fizesse dançar, ainda que estivesse lá. Ainda que estivesse presa por ter cometido algum “erro”.
A noite, cheguei no portão da minha casa e meu cachorro, agitado, livre e correndo freneticamente como faz diariamente, me recebeu com alegria. Seus olhos estampavam felicidade por me ver. Meus carinhos o deixaram efusivo como uma criança quando ganha um brinquedo. Tive vontade de chorar. Lembrei que tenho meu cachorro, meus pais, meus irmãos, meus amigos e quem eu quiser. Ao meu lado. No mesmo mundo. “Estou livre”, longe de celas físicas e posso correr e dançar sem pedir permissão ou simplesmente apenas desejar.
Mas até que ponto, nós, habitantes desse mundo aqui fora nos diferenciamos daqueles que moram no corredor escuro?
Temos perdido nossa liberdade em um mundo que nos dá acesso a sermos livres. Tornamo-nos escravos do nosso próprio tempo e de nossas atitudes, sendo elas pagas no vazio e no frio das grades... sendo elas pagas na imensidão da chuva e das ruas que nos dão escolhas de direção.